Confira o texto do Lênio Streck que inspirou esse texto, aqui.
Vez em quando o direito se permite abrir essas portas de trazer um outro. Foi assim quando me interessei pelo direito e literatura, pelo direito e linguagem, pelo direito e a pedagogia, direito e a arte, direito e hip hop. Mas pelo caminhar nesses campos, durante muitas vezes me foi possível observar um fenômeno intrigante: o desprezo pela teoria, pela leitura.
Pra falar de direito e literatura, assim, basta ler um livro literário e correlacionar a narrativa com algum fenômeno jurídico. Da literatura colhe-se, no máximo, umas duas citações, sem contexto, sem profundidade. Como se a literatura fosse, por si mesma, crua. E essa correlação pudesse ser feita assim, de forma tão boba.
Direito e design, assim, seria fazer design no direito, ou com algo do direito. E se design é isso que penso que sei... É sobre visualidade, né? O pessoal faz umas coisas bonitas, uns nomes difíceis, cartão de visita, coloca quadrado, bola, ícone... Então eu adiciono aqui três ou quatro elementos na minha petição e, caramba, me torno um visual lawyer. Vai ficar bem bonito no LinkedIn, embora seja de um apedeutismo enorme¹.
Posso até fazer um curso de legal design: um módulo de canva, outro de powerpoint, vinte slides sobre teoria das cores, contraste. É isso, né? Ainda posso lançar um e-book. E o problema aqui, pelo amor da deusa, não são os e-books, mas: por que estamos comprando e-book como teoria? Que pressa doida é essa? Pressa de definir, pressa de destruir. Pressa de me apressar pra ser o primeiro a fazer uma coisa bem ruim. Mas que vai ser comprada. E o problema aqui, pelo amor da deusa (2), não são as compras, mas: por que estamos comprando uma coisa sem entender o que ela realmente é e que função ela realmente cumpre? O problema é do legal design mesmo?
E retomando a velha pergunta, ah, mas o que é legal design? "Depende das forças que se apoderam dele"². Depende da forma como eu articulo as correlações que ele traz. Das teorias de direito e design que utilizo - e sinto informar que design tem teoria, que design é campo de saber, curso de faculdade, dezenas de livros, anos de experiência.
Design não é produto, é relação³. "O design não é ferramenta, ele tem ferramentas", me disseram outro dia. Mas pra ouvir isso, tive que sentar lá com os designers. Inclusive me falaram pra investir em semiótica, entender sobre "rizoma" e disseram assim que legal design é sobre alisar os espaços estriados. Essa não tinha no e-book. Ô coisinha difícil de fazer, né? Ouvir esse outro do qual tento me aproximar. Entender dele também, antes de tentar transformá-lo num conceito raso, palatável, consumível em duas ou sete horas, treze ou cinquenta páginas.
Legal design não é sobre produção de outras relações, mas, sobretudo, identificação de relações. E, a partir dessa identificação - que depende sobretudo de teoria e de teoria crítica em ambos os campos do saber - a proposição de alterações nessa relação, que já existe.
Legal design não é algo que está sendo criado. A relação entre direito e design já existe e desde sempre. E design não é visualidade, eu insisto. A não ser que a gente comece a entrar em Rancière, o que não cabe aqui. Fosse assim não falaríamos, por exemplo, de design de serviços. Até mesmo todo esse hype em alterações de diagramação e criação de cartilhas explicativas sobre pontos de lei não tem nada de novo. Embora seja legal fazer parecer que é e dar novos nomes. Faz parte do jogo.
Ainda ontem - embora eu ainda fosse um bebê nesses tempos, Lênio - falávamos de letras ilegíveis em contratos. Quando expliquei para a minha avó sobre a minha startup de legal design na hora ela entendeu e me disse: "quero contratos com letras maiores". Agora advogado aprendeu a diferença entre legibilidade e leiturabilidade, mas, convenhamos: é algo que já estava. Já faz parte do script. E eu podia até citar uma jurisprudência aqui pra ficar bonito. Mas eu sou legal designer, não pega bem, né?
¹ Um neologismo em inglês, cara... Mas dessa água beberei, porque nessa roda eu vou sentar e eu sei o poder de se apropriar os nomes quando queremos fazer parte da narrativa. E embora eu sempre faça uma pequena observação metodológica, "ya hace mucho tiempo que el cielo es un factor que no entra en mis cálculos" (isso é Rosário Castellanos).
² Essa é a resposta à pergunta "o que é a psicologia?" que o Pedro Paulo Gastalho de Bicalho traz no texto "Psicologia, criminologia, mídia e produção de subjetividade".
³ LANDIM, PC. Design, empresa, sociedade [online]. São Paulo: Editora UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010. 191 p. ISBN 978-85-7983-093-8. Available from SciELO Books.
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